“Nossa cidade vai virar uma pequena Itália”; o drama de São José do Divino que teve o primeiro óbito por coronavírus no Piauí



“Coronavírus é coisa de cidade grande”. Até algumas semanas atrás, esse era o pensamento de muitos moradores de cidades como São José do Divino. O município de 5 mil habitantes, localizado há quase 300 km ao Norte da capital Teresina, entretanto vive dias sombrios. Desde a última sexta-feira (27/03), a pacata cidade do interior do Piauí ganhou destaque nacional após registrar a primeira morte causada por Covid-19 no estado.
O óbito do prefeito Antônio Felícia gerou temor de moradores e em toda região Norte do estado. Diversas municípios buscam se isolar em pequenos “feudos” para combater o coronavírus e há presença de barreiras sanitárias entre cidades, que antes eram “irmãs”. Assim está sendo feito entre São José do Divino e Piracuruca, conforme foi informado por pessoas da cidade ao OitoMeia. A dificuldade encontrada nesse momento, segundo moradores relataram, é que São José do Divino depende do município vizinho para diversas atividades econômicas.
O comerciante Paulo Wellington do Rego, 31 anos, relatou à reportagem, que foi impedido de ir ao banco em Piracuruca na manhã desta segunda-feira (30/03). Segundo ele, agentes da Vigilância Sanitária solicitaram documentos e informaram que ele não poderia ultrapassar a divisa, sob a alegação de que teria tido contato com o falecido prefeito. Paulo Wellington explicou que havia falado com Antonio Felícia apenas por telefone. Mas mesmo assim disse ter sido obrigado a passar o cartão e senhas bancárias para que um amigo fizesse o saque do dinheiro na agência em Piracuruca.
Para muitos moradores de São José do Divino, a cidade tem sofrido estigmas após ter registrado a primeira morte por Covid-19 no estado. O comerciante falou ao OitoMeia que compreende a necessidade da barreira, porém, não entendeu porque outras pessoas estavam circulando e apenas ele foi barrado.
“Eu fui barrado. Entendi que era um procedimento necessário. Mas depois me questionei sobre o porque de apenas eu de estar sendo impedido de entrar. Outras pessoas continuaram circulando entre as cidades […] Tenho olhado para o meu município e não vejo nada ser feito por São José do Divino, eu já vi muita gente que teve contato com o prefeito andando nas ruas. Se não tivermos uma atitude nosso município vai virar uma pequena Itália. Não temos tido assistência para nossa saúde”, declarou.

Comerciante Paulo Wellington do Rego, 31 anos (Foto: Reprodução)

OitoMeia entrou em contato com a direção da Vigilância Sanitária de Piracuruca, mas até o fechamento desta reportagem não obteve uma resposta.

Centro de São José do Divino (Foto: Reprodução)

ANSIEDADE EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS: “AS VEZES SINTO QUE ESTOU ME AFOGANDO”
O caos mental pelo excesso de informações, a morte do prefeito da cidade e a sensação de que não tiveram a assistência necessária instalou em São José do Divino o sentimento de pânico e medo. A coordenadora da secretaria de Saúde da cidade, Antônia Coutinho, afirmou à reportagem que a UBS da cidade registrou um aumento no número de pacientes com faltar de ar. Mas, ao invés de coronavírus, boa parte dessas pessoas está com sintomas de ansiedade.
A maquiadora, Maria Clara Sousa, 21 anos, foi uma dessas pessoas. A jovem disse ter sentido falta de ar no dia em que o diagnostico de Antônio Felícia foi confirmado. “Não consigo pensar que nossa cidade vai sair dessa para melhor. Eles dizem para que a gente fique calmo, mas não e como se isso fosse fácil”. Outra personagem que não será identificada pela reportagem afirmou que ainda não caiu a ficha de que a cidade com pouco mais de 5 mil habitantes tem uma caso confirmado de coronavírus. “De noite tenho a sensação de que estou me afogando. Mas ainda não caiu a ficha é como se os dias são tivesse passando”, disse.
O advogado Paulo Douglas Sampaio disse ao OitoMeia que a morte do prefeito abalou ainda mais o psicológico da população, que nem sequer esperava que o coronavírus atravessasse seus limites.
“Até a morte do prefeito, nós víamos essa questão do coronavírus com temor, mas com ceticismo. A gente que vive em cidade pequena, nunca imagina que essas coisas cheguem para gente. A morte do prefeito foi um choque gigantesco. O prefeito era considerado um homem bom, uma pessoa que sempre ajudou o povo e era também o líder da nossa população. Foi um choque de realidade muito grande. Foi algo que nunca tínhamos visto aqui”, contou. 

Prefeito Antonio Felícia durante evento em escola do município (Foto: Reprodução)

PROFISSIONAIS DA SAÚDE: ABALADOS, MAS NOS VIRANDO NOS TRINTA
Os médicos e enfermeiros na linha de frente no combate ao novo coronavírus tem enfrentado desafios e momentos dramáticos no atendimento e tratamento de pacientes com sintomas doença, com equipamentos limitados e mais o estresse e o medo, que se tornam uma rotina diária. A cidade que registrou o primeiro óbito por coronavírus conta com uma equipe de 11 profissionais da saúde para atender mais de 5 mil pessoas. Três médicos e oito enfermeiras. Além de motoristas e aqueles que realizam os serviços gerais. Os casos graves na cidade dependem de unidades em Piracuruca, Piripiri, Parnaíba ou Teresina.
“É uma cidade muito pequena, onde todo mundo costuma visitar todo mundo. Para fazermos o isolamento é fechar a cidade mesmo. Até mesmo entre os profissionais da saúde… por exemplo, se o motorista manteve contato com o prefeito, a esposa manteve contato com o motorista, é algo muito subjetivo. Hoje estamos montando barreiras, escalas de trabalho intensificada, tentando ouvidoria, acolhimento, atendimento psicológico por telefone. Estamos nos virando nos trinta para fazer dar certo”, pontuou a enfermeira Toinha Coutinho. 
Com pelo menos três profissionais afastadas dos cargos por questões de quarentena e apenas sete veículos para atender a demanda, Antônia Coutinho afirma que os profissionais se esforçam para “manter tudo bem” na cidade. Porém, a enfermeira foi sincera: o sistema que montaram tem “dado conta”, mas teme o número de profissionais não suporte a carga de trabalho caso a quarentena se estenda além do planejado. E o risco de serem infectados aumenta ainda mais o estresse e o medo em rotina diária dos profissionais.
“Estamos nos desdobrando com remanejamento. Hoje temos uma demanda de que temos que manter a quarentena, realizar o acolhimento dos doentes, estar mandando buscar as pessoas, e de certa forma referenciando. Só que nós [profissionais da saúde] também temos que ter um questão emocional. Também estamos sofrendo nesse sentido, estamos abalados”, concluiu. 
Fonte: oitomeia 
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